TOXICOLOGICAL RISKS IN ANIMAL PRODUCTION
TIPO DE ARTIGO: Revisão Bibliográfica Integrativa
AUTORES: Couto P(1), Mendes P(2), Barros R(3).
RESUMO
Introdução e Objetivo
A produção animal evoluiu para criações de grande dimensão, com maior concentração de animais, assim como dos seus dejetos e alimentos, resultando num ambiente rico agentes biológicos, químicos (em poeiras, gases, outros) e outros contaminantes do ar interior, com risco potencial para a saúde dos trabalhadores. O objetivo do presente trabalho foi identificar os principais riscos toxicológicos ocupacionais relacionados com a produção animal.
Metodologia
Foi realizada uma revisão integrativa com pesquisa na Medline de trabalhos publicados entre 2007 e 2017 referentes a riscos toxicológicos relacionados com a produção de gado bovino, caprino, equino, suíno e ovino, assim como produção de coelhos, lebres, aves e de peixe em aquacultura.
Resultados
A grande maioria da literatura incide sobre a produção de aves, gado bovino e suíno, sendo o último aquele com um maior número de riscos toxicológicos identificados. As poeiras, gases (entre os quais se destacam o dióxido de carbono, amónia e sulfito de hidrogénio) e aflatoxinas parecem constituir as principais exposições desta atividade. A maioria dos problemas associados são respiratórios e a aposta na prevenção continua a ser a melhor forma de os evitar.
Conclusão
A proliferação das unidades concentradas de criação e alimentação animal em espaços fechados é um fator não modificável que trouxe problemas em termos de saúde ocupacional, mostrando ser uma ameaça à saúde dos trabalhadores. Para que a sustentabilidade desta indústria se mantenha é necessária não só uma viabilidade económica, mas também um maior cuidado com o seu capital humano.
Palavras-chave: Exposição Ocupacional; Indústria Alimentícia; Animais; Ações Tóxica
ABSTRACT
Background
Animal production has evolved into large-scale operations with a higher concentration of animals, as well as their food and waste, resulting in an environment rich in dust, gases, biological agents, chemicals and other indoor air pollutants. The aim of this study is to identify the main occupational toxic risks related to the animal production industry.
Methods
We perform an integrative review by search of studies published in Medline between 2007 and 2017 regarding toxicological risks related to the production of cattle, goats, horses, pigs and sheep, as well as production of rabbits, hares, birds and fish in aquaculture.
Results
The vast majority of the literature focuses on the production of poultry, cattle and pigs, the latter with the greatest number of identified toxicological risks. Dusts, gases (among which carbon dioxide, ammonia and hydrogen sulphide are prominent) and aflatoxins appear to be the main exposures of this activity. Most of the associated problems are respiratory and the prevention remains the best way to avoid them.
Conclusion
Proliferation of highly concentrated livestock breeding and feeding units in enclosed spaces is a non-modifiable factor that has brought problems in terms of occupational health, posing a threat to their workers. To keep the sustainability of this industry, economic viability is important but also a greater care with its workforce is necessary.
Keywords: Occupational Exposure; Food Industry; Animals; Toxic Actions
INTRODUÇÃO E OBJETIVO
Nos últimos anos, a substituição do trabalho manual por práticas tecnologicamente mais avançadas permitiu que na área da produção animal se desenvolvessem criações de maior dimensão, com maior número de animais e economicamente mais vantajosas. Desta forma, apesar de um decréscimo do número de produtores, aumentou-se o número de animais produzidos1 devido a esta nova organização, com criação de edifícios onde existe uma maior concentração de animais, assim como dos seus dejetos e alimentos. Daqui resulta um ambiente rico em poeiras, gases, agentes biológicos, químicos e outros contaminantes do ar interior, com risco potencial para a saúde dos trabalhadores desta área.2
As preocupações relativas aos efeitos adversos da produção animal em grande escala têm sido crescentes desde o final da década de 60.3 Vários trabalhos estudaram as causas de morte destes trabalhadores e demonstraram maior mortalidade por alguns tipos de cancro na produção de aves (cancro da boca, faringe, traqueia, pulmão, pâncreas, cérebro, leucemia/ linfomas)4, gado suíno (cancro do cólon e pulmão)6 e bovino e ovino (cancro da base da língua, pulmão, pele, bexiga, leucemia) 5.
Ainda que haja uma grande variedade de problemas de saúde associados a este tipo de produção, os respiratórios são os mais prevalentes e mais estudados. O risco de desenvolver doença respiratória (aguda ou crónica) está relacionado com a suscetibilidade genética individual do trabalhador, com o tempo de trabalho, o tabagismo, problemas respiratórios prévios e o grau de exposição a agentes nocivos no local de trabalho.3 As doenças respiratórias resultantes deste tipo de trabalho incluem um espectro de problemas que afetam as vias aéreas superiores e inferiores. Entre estas destacam-se a rinite, sinusite, asma, bronquite crónica, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e pneumonites de sensibilidade.7 No entanto, apesar dos estudos mostrarem uma correlação entre esta atividade profissional e o aumento de incidência das doenças acima descritas, são necessários mais estudos dirigidos aos agentes etiológicos responsáveis pelo desenvolvimento destas patologias e consequentemente pela morbimortalidade destes trabalhadores.
Alguns indivíduos podem ter manifestações logo na primeira semana de exposição, no entanto, a maioria não vai desenvolver sintomas a não ser que trabalhe mais de duas horas diárias durante seis ou mais anos.3
A mistura e concentração de contaminantes no ar interior destes edifícios são influenciadas por diversos fatores, nomeadamente a ventilação e outras medidas de controlo do ar; a idade, número e tipo de animal criado; o modo como são alimentados os animais; o sistema de tratamento dos dejetos e o tipo de tarefas realizadas (automatizadas ou manuais).2
Uma grande parte da literatura foca-se nos riscos infeciosos associados, dada a sua grande relevância nesta área, contudo o objetivo do presente trabalho é identificar os principais riscos toxicológicos ocupacionais relacionados com a produção animal, ou seja quais as substâncias químicas (gases, poeiras, antibióticos, outras) potenciais causadoras de dano de órgão/doença em humanos.
METODOLOGIA
Foi realizada uma revisão integrativa através da pesquisa na Medline utilizando a seguinte query de pesquisa: (“Occupational Exposure”[Mesh] OR “Air Pollutants, Occupational”[Mesh]) AND (“Animal Husbandry”[Mesh] OR “livestock”[Mesh] OR “Poultry”[Mesh] OR “Aquaculture”[Mesh] OR “Dairying”[Mesh] OR “Swine”[Mesh] OR “Ruminants”[Mesh] OR “Equidae”[Mesh] OR “Hares”[Mesh] OR “Rabbits”[Mesh]).
A pesquisa foi limitada a trabalhos publicados entre 2007 e 2017, referentes a humanos, escritos na língua portuguesa, inglesa e espanhola.
Foram incluídos artigos relacionados com a produção de gado bovino, caprino, equino, suíno e ovino, assim como produção de coelhos, lebres, aves e de peixe em aquacultura, que incidissem numa população de trabalhadores, expostos a riscos toxicológicos e em que foram avaliados os efeitos dos mesmos na saúde.
Foram excluídos artigos em que não foram identificados agentes etiológicos e aqueles não relacionados com riscos toxicológicos, nomeadamente os que abordavam riscos infeciosos, ergonómicos ou outros.
RESULTADOS
Da pesquisa efetuada resultaram 602 artigos, dos quais 42 cumpriram os critérios de inclusão. Os principais fatores de risco identificados para cada tipo de produção animal encontram-se sumariados na tabela 1.
Poeiras
As poeiras na área da produção animal são uma mistura complexa de partículas geradas primariamente dos animais (pelos, penas ou resíduos de pele), de material fecal, do solo ou dos próprios alimentos.3, 8
A definição parece variar de autor para autor, uma vez que em alguns dos estudos, agentes como vírus, fungos e bactérias, assim como os seus subprodutos (micotoxinas e endotoxinas), também são incluídas nesta entidade – são chamados bioaerossóis ou partículas viáveis, em oposição às partículas não-viáveis faladas anteriormente.9, 10 No entanto, apesar das partículas não-viáveis poderem potencialmente transportar bactérias, vírus, endotoxinas, gases ou líquidos8, o conceito de poeira usado neste tópico não inclui bioaerossóis.
A exposição dos trabalhadores a poeiras é uma realidade demonstrada em diversos estudos, nomeadamente naqueles que trabalham com aves, suínos, bovinos e equinos.11–17 Na produção de aves e suínos parece haver maior exposição em relação a bovinos, não sendo raros os casos em que são ultrapassados os valores recomendados.11,18 Já foi também demonstrado em vários estudos que estes trabalhadores apresentam mais queixas e alterações respiratórias do que outros trabalhadores, nomeadamente no que se refere a tosse, expetoração, sibilância, declínio do volume expiratório máximo no 1º segundo (FEV1) e da capacidade vital forçada (CVF).9, 19, 20 Os estudos que tentaram estabelecer relação causal entre estes problemas e os níveis de poeira são mais escassos, no entanto já se verificaram associações com tosse e expetoração crónicas, bronquite crónica, DPOC e declínio de FEV1.21, 22, 23, 24
A tarefa específica desempenhada pelo trabalhador também parece ser relevante no seu grau de exposição. Por exemplo, na produção de gado suíno já foi demonstrado que a zona onde ocorrem os nascimentos dos animais tem níveis mais elevados de poeiras.2 Da mesma forma, na produção de gado bovino, os trabalhadores que lidam com a cobertura do piso das instalações estão expostos a partículas mais pequenas do que aqueles que trabalham na ordenha.25
O tamanho das partículas de poeira é um dos principais determinantes dos seus efeitos na saúde uma vez que este está relacionado com a profundidade que as mesmas atingem no sistema respiratório, provocando diferentes manifestações conforme o local de deposição.2 As partículas podem-se classificar, de acordo com o seu diâmetro, em partículas inaláveis (aquelas passíveis de serem inaladas através do nariz e boca, mas que ficam retidas no muco destas regiões, não atingindo regiões profundas do pulmão e que apresentam um diâmetro inferior a 100 μm) e respiráveis (aquelas capazes de atingir regiões não ciliadas das vias respiratórias, nomeadamente as pequenas vias aéreas e os alvéolos e cujo diâmetro é inferior a 10 μm).26
As partículas mais pequenas, por penetrarem e se depositarem em zonas não ciliadas das vias respiratórias onde se realizam as trocas gasosas apresentam maior risco para a saúde. As partículas maiores podem também ter um impacto significativo na saúde, produzindo doença a nível das vias aéreas superiores e de maior calibre.12
A quantidade de poeira presente em edifícios de produção animal, à semelhança da maioria dos outros contaminantes, está relacionada com diversos fatores, como a ventilação, os materiais do solo, a manutenção das instalações, a manipulação dos dejetos, assim como a própria alimentação e atividade dos animais.26
Os riscos para os trabalhadores estão relacionados não só com o tamanho e forma das partículas mas também a natureza dessas partículas, o tempo que estes passam em contacto com elas, assim como as medidas de proteção individual e coletiva implementadas na empresa.26
Gases
Embora cerca de 160 gases tenham sido identificados no ar ambiente dos vários tipos de produção animal, muitos destes gases estão apenas presentes em quantidades vestigiais e não se encontram relacionados com doenças ocupacionais. Muitos destes gases, como os compostos voláteis orgânicos, contribuem para as características odoríficas do ar ambiente enquanto outros são considerados tóxicos habituais destas produções cujos níveis de exposição devem ser controlados, como o dióxido de carbono, o monóxido de carbono, a amónia, o metano ou o sulfito de hidrogénio.26
Para proteger os trabalhadores de exposições excessivas destes químicos tóxicos foi criado o Valor Limite de Exposição (VLE), que representa a concentração máxima de uma substância química a que um ser humano pode estar exposto sem que apareçam efeitos irreversíveis na sua saúde e que normalmente é definido para um período de tempo de 8 horas de trabalho por dia numa semana de 40 horas. Existem também valores limites de exposição propostos para períodos de exposição curtos (VLE-CD), normalmente para 15 minutos.3
Dióxido de Carbono (CO2)
O dióxido de carbono ocorre primariamente como um produto natural da respiração animal. O VLE deste gás é de 5000 partes por milhão (ppm) e o seu VLE-CD de 15.000 ppm, pelo que a exposição a elevados níveis de CO2 (acima dos 20.000 ppm) pode resultar em rápida hiperventilação e asfixia. Os níveis de CO2 são habitualmente usados como um medidor da qualidade do ar e da eficácia do sistema de ventilação, visto a sua taxa de produção por animal poder ser calculada.26
Os estudos encontrados mostram que embora os níveis de CO2 na produção animal não estejam habitualmente acima do VLE, os valores de exposição frequentemente ultrapassam o valor limite para a prevenção de sintomas respiratórios agudos em trabalhadores saudáveis.26
Monóxido de Carbono (CO)
O monóxido de carbono é produzido da combustão incompleta de matéria orgânica e provém habitualmente de fumos de exaustão de motores com defeito ou falta de manutenção e em zonas de aquecimento por combustão com ventilação inadequada. A exposição aguda a este gás tem um efeito insidioso com tonturas, cefaleias, aperto torácico e náuseas, sendo que a perda de consciência surge rapidamente em concentrações acima das 3500 ppm. O seu VLE é de 20 ppm e o VLE-CD de 100 ppm.26
Apesar de referido na literatura introdutória, não foram encontrados artigos que estudem diretamente os valores deste gás na produção animal nem a incidência de problemas de saúde com ele relacionados.
Amónia (NH3)
A amónia é libertada pela decomposição da ureia presente na urina dos animais pelo que se encontra muito presente nos locais de armazenamento ou secagem de estrume e no solo dos espaços de contenção animal e facilmente ocorrem grandes aumentos na sua concentração aquando da mobilização/remoção do estrume.27, 28 O seu VLE é de 20 ppm e o VLE-CD de 50 ppm.26
Como um composto volátil, a amónia é rapidamente absorvida pelas vias respiratórias superiores com dano direto do seu epitélio e impedindo os cílios respiratórios de limparem as poeiras particuladas. A amónia tem um baixo limiar odorífico de menos de 5 ppm pelo que a sua presença é rapidamente detetável acima desta concentração. Os problemas respiratórios e de irritação ocular ocorrem acima dos 6-20 ppm enquanto as cefaleias, náuseas e irritação das mucosas respiratórias ocorrem nos 40 a 200 ppm.25 Várias análises de regressão múltipla sugerem que a amónia seja um dos mais importantes fatores preditivos ocupacionais de DPOC e sinusite na produção animal.7, 23
Os estudos encontrados mostram que na produção de suínos as concentrações de amónia se encontram habitualmente abaixo do VLE29, no entanto este valor aumenta exponencialmente aquando da manutenção do estrume animal.28 Já no caso da produção de aves o sistema de alojamento (solo, multiníveis ou modificadas) tem uma influência preponderante nos valores de amónia apresentados, sendo a sua concentração frequentemente superior a 25 ppm nos sistemas multinível e bastante superior nos sistemas de alojamento no solo.30, 31
Metano (CH4)
O metano é um gás inodoro, incolor e inflamável presente no “gás natural”. A fermentação pelas bactérias entéricas dos animais (predominantemente dos ruminantes) é responsável por três quartos das emissões de metano na produção animal. O restante provém da decomposição anaeróbia do estrume sobretudo quando o armazenamento do mesmo é feito em estado líquido. 26, 27
O metano tem um VLE de 1000 ppm e pode causar cefaleias e até asfixia em concentrações muito elevadas (500.000 ppm). Também o seu armazenamento pode originar risco de explosão se acumulado em unidades profundas pelo que é imperativo a sua ventilação apropriada.26
Apesar de referido na literatura não foram encontrados artigos que estudem diretamente os valores deste gás na produção animal nem a incidência de problemas de saúde com ele relacionados.
Sulfito de Hidrogénio (H2S)
O sulfito de hidrogénio é um gás tóxico, incolor de cheiro característico (ovos podres) produzido durante a decomposição da matéria orgânica, nomeadamente no estrume líquido ou no sistema de esgotos. Este gás é uma preocupação importante na produção animal por ser um irritante da pele e mucosas que quando inalado cronicamente causa anosmia. Esta perda do olfato resulta na ausência de aviso aquando da presença de concentrações elevadas deste gás e que podem levar à perda de consciência. Em níveis elevados, o sulfito de hidrogénio causa uma toxicidade semelhante ao cianeto com edema pulmonar, Síndrome de Desconforto Respiratório do Adulto, coma e morte. O seu VLE é de 5 ppm e o VLE-CD de 10 ppm.7, 29, 26, 32
Os estudos mostram que embora os níveis de sulfito de hidrogénio em unidades de produção animal bem ventiladas sejam inferiores a 3 ppm, quando o estrume é mobilizado estes valores aumentam rapidamente o que torna este gás um dos principais riscos tóxicos em unidades fechadas de produção animal.7, 29, 26, 31
Compostos Orgânicos Voláteis (COVs)
Os COVs são compostos orgânicos não-metano que contêm um ou mais átomos de carbono que têm altas pressões de vaporização e, por isso, rapidamente evaporam para a atmosfera. Estudos de emissão de COVs em locais de produção animal mostram que centenas de substâncias podem estar presentes. Estes compostos são diversos e incluem ácidos, álcoois, aldeídos, amidas, aminas, aromáticos, ésteres, éteres, hidrocarbonetos halogenados, hidrocarbonetos, cetonas, nitrilos, outros compostos azotados, fenóis, compostos sulfúricos, esteroides e outros.33, 34
Muitos destes compostos têm um anel benzénico na sua estrutura química e são produzidos pela degradação dos aminoácidos aromáticos (triptofano e tirosina, por exemplo) no sistema digestivo dos animais e no armazenamento de estrume. Outras fontes de COVs podem ser os veículos, desinfetantes e os materiais de borracha usados dentro ou perto dos edifícios de produção animal.34
Para a maioria dos COVs presentes na produção animal, como o fenol e o para-cresol, o seu limiar de deteção pelo odor é bastante inferior ao seu VLE pelo que podem ser sentidos antes que as suas concentrações atinjam valores perigosos. Existem no entanto alguns que por serem inodoros são considerados mais perigosos, tais como o benzeno, o o/m-cresol, o tolueno, o etilbenzeno, o o-xileno e o m/p-xileno.33, 34
Os artigos encontrados mostram existirem concentrações elevadas de COVs nas habitações humanas dentro das quintas, com elevados níveis de compostos aromáticos e hidrocarbonetos alifáticos, alicíclicos e cíclicos que possivelmente serão transportados através de roupas contaminadas ou pelos químicos usados para fins de agricultura. Já nos edifícios de produção animal foi demonstrada a presença de fenol e para-cresol bem como outros compostos odoríficos, sobretudo em edifícios de produção de suínos e gado leiteiro. Para a totalidade de casos observados, as concentrações dos COVs avaliadas não excediam os VLE, mas aumentavam o risco cancerígeno e não-cancerígeno para além dos limites de segurança internacional recomendados.33, 34
Aflatoxinas
As aflatoxinas são um metabolito fúngico que se encontra acoplado às poeiras do ar e em certo tipo de rações animais, da qual a mais bem estudada e com maior grau de toxicidade é a aflatoxina B1. Este é um composto genotóxico e um potente hepatocarcinogénico, mas está também relacionada com certas doenças pulmonares como fibrose intersticial e, possivelmente, carcinomatose.35 Apesar de ser produzida por determinadas subespécies de fungos, esta micotoxina permanece nos locais contaminantes muito tempo após a morte dos seus produtores, daí que a concentração deste composto não tenha uma relação estreita com a concentração de fungos no ar ambiente, podendo esta última ser muito menor ou até inexistente.36
Testes realizados demonstraram que produtores de gado suíno e aves apresentam uma elevada concentração de aflatoxina B1 no sangue em comparação com população controlo, sugerindo uma exposição ocupacional e não uma exposição por ingestão de animais contaminados. Esta exposição ocupacional está dependente do tamanho das partículas aéreas às quais as aflatoxinas estão acopladas, dando-se não apenas por inalação, mas também por via oral.36
Alguns estudos e relatos de caso demonstram uma associação circunstancial entre a exposição ocupacional a aflatoxinas acopladas a poeiras e cancro em humanos.35 Apesar de nenhum dos estudos ter sido realizado em produtores de gado suíno, em aves, a elevada concentração de aflatoxina B1 no sangue leva a acreditar que estes grupos profissionais correm o mesmo risco. No entanto, é importante ter em conta a presença de outras micotoxinas nestes ambientes que podem modificar ou potenciar os efeitos desta aflatoxina no ser humano.
Diversos estudos revelam que a ração de gado suíno e de aves se encontra contaminada com elevadas concentrações de partículas da aflatoxina B1. Daí que se julgue que os trabalhadores estejam diretamente expostos a este composto durante o manuseamento destas rações e respetivo material aquando da alimentação dos animais. A colheita, armazenamento e transporte destes alimentos podem também resultar em exposição, apesar de não ter um impacto tão elevado.36
Na produção de gado suíno, a maioria dos procedimentos que envolvem confinamento às instalações onde o gado se encontra estão automatizados. No entanto, em Portugal, há ainda algumas intervenções que são realizadas manualmente, aumentando o período de permanência nestas instalações e, consequentemente, maior exposição às partículas de aflatoxina.36
Pode-se, deste modo concluir que a aflatoxina B1 é um carcinogénico à qual os produtores de gado suíno e aves estão expostos durante determinadas tarefas da sua atividade. Assim, é importante tornar as suas concentrações no ambiente de trabalho tão baixas quanto possíveis (princípio de ALARA). Para tal devem ser tomadas algumas medidas preventivas.35, 36
Hexaclorocicloexano
O Hexaclorocicloexano (HCH) é um inseticida, constituído por 4 isómeros (o único ativo é o lindano), utilizado na desinfeção das ovelhas para prevenção das ectoparasitoses.37 Atualmente apenas o lindano é comercializado mas a sua utilização pelos produtores de ovelhas está praticamente extinta.37
No entanto, no passado, o HCH era extensamente utilizado pelos produtores de ovelhas, que estavam expostos diretamente ao produto, por contacto dérmico, aquando da desinfeção, realizada regularmente.
Um estudo demonstrou uma possível associação entre a exposição cutânea a HCH em produtores de ovelhas e o desenvolvimento de linfomas não Hodgkin (LNH).37
Apesar de nenhum produtor destes animais apresentar, atualmente, exposição dérmica ao carcinogéneo, devido à sua anterior exposição, estes apresentam, ainda, risco de desenvolvimento de LNH.
Outros
O olaquindox, um antibiótico muito utilizado como promotor do crescimento em porcos, devido à sua ação antibacteriana intestinal que permite uma melhor absorção dos alimentos e consequente aumento do crescimento animal, e a clorpromazina, um fármaco utilizado como sedativo, têm um elevado nível de toxicidade dérmica. A exposição a estes produtos provoca fotossensibilidade (fotoalergia e fototoxicidade) dérmica aos raios ultravioleta (UV). As lesões de fototoxicidade traduzem-se por lesões de eritema, edema e posterior hiperpigmentação nas zonas da pele exposta à luz solar, que com a exposição crónica podem progredir para lesões de queratose actínica e subsequentemente cancro da pele. As lesões de fotossensibilidade mimetizam uma dermatite de contacto e aparecem apenas com o contacto com o tóxico. No entanto, em casos raros estas lesões podem persistir mesmo após evicção alergénea, por provável formação de fotossensibilizadores endógenos, provocando uma dermatite actínica crónica.38
Os produtores de gado suíno adicionam o olaquindox à ração animal, procedendo à mistura dos componentes manualmente, sem recurso a equipamentos de proteção (roupa e luvas), criando um contacto do produto tóxico com a pele dos criadores e ainda promovendo a inalação de partículas dispersas no ar. A exposição à clorpromazina dá-se por contacto direto da pele com o tóxico aquando da injeção do sedativo sem utilização de luvas.38
Devido à elevada toxicidade de ambos os produtos, o seu uso na criação animal foi proibido na Europa, mas continua a ser muito utilizado no Oriente, de onde alguns produtos podem ser importados.38
Foram descritos alguns casos isolados de dermatite de contacto, com certos tipos de antibióticos (macrólidos, penicilina, estreptomicina), anestésicos locais (procaína), desinfetantes (glutaraldeído) e vacinas nos produtores de gado suíno.39
Prevenção e Controlo
São inúmeros os riscos toxicológicos a que os produtores de animais estão expostos diariamente no seu local de trabalho. Daí que a prevenção e controlo da exposição a estes tóxicos seja importante, de modo a melhor cuidar e proteger a saúde dos trabalhadores.
Dependendo do tipo de tóxico e da exposição existente devem adotar-se diferentes medidas. No entanto, há medidas que devem ser implementadas em qualquer posto de trabalho desta área.
Devem ser criados programas de vigilância de saúde para os trabalhadores expostos, de modo a detetar precocemente alterações específicas das principais doenças ocupacionais mais relacionadas com o seu posto de trabalho.36 É importante ter em conta que a exposição crónica a alguns destes tóxicos pode provocar doenças a longo prazo, como neoplasias. Daí que seja importante pesquisar exposições anteriores a compostos que não são atualmente comercializados, como o HCH.37
Algumas medidas gerais de prevenção e controlo de exposição a tóxicos inalados no interior dos edifícios de produção dos animais passam por 1) melhoria dos equipamentos e práticas de trabalho para diminuição da produção de gases e poeiras; 2) diminuição da concentração de gases e poeiras no ar através de mecanismos de ventilação eficazes; 3) uso de equipamentos de proteção como máscaras com filtros de partículas, de gases e vapores ou combinados, de acordo com o tamanho das partículas e gases existentes, de modo a diminuir a deposição pulmonar ou absorção destas substâncias, luvas e fatos de proteção de modo reduzir a exposição cutânea, uso de óculos de proteção para reduzir a exposição ocular.3 Algumas dessas medidas para a diminuição da produção de poeiras e gases são a utilização de equipamento fechado para o fornecimento de ração aos animais, sendo esta colocada também em locais cobertos; utilização de gordura extra ou óleos de modo a diminuir as poeiras das rações; limpeza regular (mensal) dos edifícios com produtos próprios (atendendo ao uso de mecanismos de proteção para os riscos ocupacionais destes compostos); pavimento facilmente lavável e monitorização dos locais de alimentação dos animais.3
O uso de máscaras de proteção contra poeiras, aprovada pelo National Institute for Occupational Safety and Health, deve ser utilizada por todos os trabalhadores que trabalhem em ambientes fechados com aves e porcos, mais do que duas horas por dia.3 No caso dos compostos que entram em contacto direto com a pele, como os antibióticos, vacinas ou sedativos, deve-se recorrer a roupas e luvas de proteção, de modo a diminuir ou mesmo impedir esse contacto.38 No caso dos gases, existem máscaras que reduzem a concentração de exposição de vários gases, sendo no entanto, fundamental a utilização de medidas gerais de proteção coletiva, tais como a ventilação dos espaços fechados.
Em termos de hierarquia das medidas de controlo, as soluções de engenharia devem ser uma prioridade. Medidas administrativas relacionadas, por exemplo, com a organização do trabalho não parecem ser eficazes neste tipo de indústria.26
Medidas de controlo de efetividade devem ser realizadas através da medição regular das concentrações de poeiras, gases3 e aflatoxinas36 no ar no interior dos edifícios, mantendo-os abaixo dos limites de segurança.
Devem, ainda, avaliar-se as possíveis fontes de contaminação por fungos e suas micotoxinas, como as condições climatéricas propícias ao seu desenvolvimento (temperatura e humidade do ar interior) e o grau de contaminação das rações.35, 36
CONCLUSÃO
A evolução da produção animal descrita surgiu como uma resposta ao aumento da procura das populações e levou a uma proliferação das unidades concentradas de criação e alimentação animal em espaços fechados. Este é um fator não modificável que trouxe alguns problemas em termos de saúde ocupacional e que se tem mostrado ser uma ameaça à saúde dos trabalhadores e ao ambiente. Os trabalhadores deste tipo de atividade continuam a estar expostos a uma miríade de riscos toxicológicos que os afetam física e mentalmente através de uma má qualidade do ar, de água poluída, de odores nauseantes e de um aumento do stress.40
Para que a sustentabilidade desta indústria se mantenha é necessário não só uma viabilidade económica, mas também uma preservação ambiental e um cuidado com o seu capital humano (produtores e trabalhadores). Esforços têm sido feitos neste sentido, sendo a multiplicação de estudos e os avanços dos programas de prevenção e controle disso exemplo. Neste sentido, Portugal apresenta legislação específica e valores referência quanto aos produtos químicos, no âmbito da qualidade do ar interior e no contexto da exposição profissional.43,44 É, no entanto, necessária uma implementação mais abrangente e integrada destas soluções que permitam obter efeitos.3
A Equipa de Saúde Ocupacional encontra-se numa posição privilegiada, sendo necessário para isso que conheça e identifique esses riscos potenciais e atue em conformidade, não só em termos de vigilância de saúde e deteção precoce de alterações que possam resultar de exposições ocupacionais, mas também desempenhando um papel pró-ativo dentro da organização em prol da prevenção.
CONFLITO DE INTERESSES
Os autores declaram não ter conflitos de interesse.
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43.Decreto Lei nº 24/2012 de 6 de fevereiro. Diário da República nº 26 – 1.ª série. Ministério da Economia e do Emprego. Lisboa.
- Portaria nº 353-A/2013 de 4 de dezembro. Diário da República Nº 235 – 1.ª série. Ministérios do ambiente, ordenamento do território e energia, da saúde e da solidariedade, emprego e segurança socia. Lisboa.
Tabela 1 – Principais riscos toxicológicos por atividade de produção animal
Atividade | Agentes toxicológicos identificados |
Aves | Poeiras7-13
Aflatoxinas33 Sulfido de Hidrogénio40 |
Bovinos | Poeiras11, 14, 18, 25, 42
COVs31 Sulfito de Hidrogénio7, 40, 28, 32 Metano26 Dióxido de Carbono40 |
Suínos | Poeiras2, 3, 7, 17, 11, 8, 14, 25, 38
Sulfito de Hidrogénio3, 7, 40, 27 Aflatoxinas35 Clorpromazina39 Olanquidox36 Monóxido de Carbono3, 40 Antibióticos39 (estreptomicina, penicilina, macrólidos) Desinfectantes39 (glutaraldeído) Vacinas39 COVs26, 34 |
Ovinos | Hexaclorocicloexano37 |
Equinos |
Poeiras15 |
Legenda: COVs – Compostos orgânicos voláteis
(1)Pedro Couto
Assistente em MGF (USF Valongo); a frequentar o Plano de Transição de Formação para obtenção do título de Especialista em Medicina do Trabalho; Curso de Especialização de Medicina do Trabalho (FMUP 2013-2017). Morada para correspondência dos leitores: Rua da Misericórdia, 4440-563 Valongo, Portugal. E-mail: couto.pedro@gmail.com.
(2)Pedro Mendes
Assistente em MGF; a frequentar o Plano de Transição de Formação para obtenção do título de Especialista em Medicina do Trabalho; Curso de Especialização de Medicina do Trabalho (FMUP 2013-2017). 4420-363 Gondomar, Portugal. E-mail: p.mendes@hotmail.com.
(3)Raquel Barros
Assistente em MGF (ACES Gaia); a frequentar o Plano de Transição de Formação para obtenção do título de Especialista em Medicina do Trabalho; Curso de Especialização de Medicina do Trabalho (FMUP 2013-2017). 4430-381 Vila Nova de Gaia, Portugal. E-mail: raquel.rmmb@gmail.com.
Couto P, Mendes P, Barros R. Riscos Toxicológicos na Produção Animal. Revista Portuguesa de Saúde Ocupacional on line. 2017, volume 5, 15-27. DOI: 10.31252/RPSO.05.02.2018